4 de novembro de 2019

Entrevista: 'Um ator sem terapia é como um jogador de futebol sem fisioterapeuta'

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Uma das médicas é humanista, respeitada, profissional e ética. Ao encontro dela vai a outra — jovem, ambiciosa e arrogante, embora talentosa. Quer apenas conseguir uma carta de recomendação da profissional mais experiente. A reunião, que acontece num consultório, dura mais do que o esperado e descamba num embate entre duas mulheres com visões opostas de mundo e profissão.

A premissa de “Relâmpago cifrado”, peça em cartaz no Teatro Petra Gold (Sala Marília Pêra) a partir de 8 de novembro, de sexta a domingo, às 20h, é mais pessoal para Alinne Moraes do que parece. A investigação do texto de Gustavo Pinheiro sobre o que molda o caráter das duas personagens recai sobre o passado delas — e evoca lembranças da própria vida da paulista de 36 anos, que só conheceu o pai aos 21. Nesta entrevista, ela descreve como foi o encontro que “parece ter saído de uma novela ou desses programas sensacionalistas de reencontro familiar”.

Não queria sair do abraço dele, porque tinha medo de cair no abismo que se abriria em seguida — diz a atriz, que no espetáculo contracena com Ana Beatriz Nogueira, a médica mais velha.

Numa brecha dos ensaios, em seu camarim, Alinne fala também sobre fazer um par romântico com Cauã Reymond, seu namorado entre 2002 e 2005, em “Em seu lugar”, novela das 21h prevista para 2020.

O que há de mais sombrio na personalidade da médica que você interpreta?

A casca. É a pior coisa que um ser humano pode ter: dureza e excesso de escudo. Me dá pena. Alguns criam essa “pele” por autodefesa, dependendo da criação que tiveram. Minha personagem, por exemplo, tem um histórico familiar complicado, conforme é revelado ao longo da peça. Casca é uma coisa péssima, porque resulta em preconceitos. Fica difícil até pra conversar sobre política. Se você fala algo, já te julgam, te chamam de feminista e coisas assim.

Gustavo Pinheiro diz que se inspirou nas “fake news” para escrever a peça. Qual sua interpretação disto?

São as mentiras que contamos para nós mesmos. Na escola, eu mentia. Quando perguntavam sobre meu pai, que eu não conhecia, não queria explicar. Sentia vergonha. Às vezes, falava que ele tinha morrido. Em outras, que era médico ou morava fora. Ou então que eu havia ido à Disney com ele. A gente mente para se proteger.

Você só conheceu seu pai aos 21 anos. Como foi?

Ele ligou pra Globo ( Alinne atuava em “Mulheres apaixonadas”) , que me avisou. Não quis ligar de volta, mas pedi o endereço dele. Queria vê-lo. Num sábado, entrei na casa dele. Cauã ( Reymond ) ficou esperando na sala. Entrei no quarto. É louco, porque você fica diante de um desconhecido, sem afinidade alguma. Disse pra ele que não ter pai era como nascer sem um braço. Nós nos abraçamos e ficamos ali um tempo. Chorei. Não queria sair do abraço, porque tinha medo de cair no abismo que se abriria em seguida: não saberia o que falar, para onde olhar e o que sentir. Então olhei pra mão dele. Sempre quis conhecer a mão do meu pai. Seis meses depois ele morreu.

Na infância, pensava nele?

Aos 6 anos, eu dizia para mim mesma que ele provavelmente era um homem que errou e que a culpa que ele sentia devia piorar com o passar do tempo. Ali eu já sentia empatia, me colocava no lugar do outro, que é a matéria-prima do meu ofício. Depois daquele abraço, ele pediu desculpas, disse que me acompanhava na TV e que os dias ficavam mais e mais difíceis pra ele.

Quando percebeu que era o momento de ser sincera consigo mesma?

No palco. É onde você não precisa mais se proteger e se esconder, onde assumi minha história e minha verdade. Isto me permitiu interpretar. Já vi atores que não conseguem entrar em contato consigo mesmos e produzem algo fake. Um ator não deveria ter algo mal resolvido. Senão, como evocar as emoções do personagem? Fiz seis anos de terapia. Um ator sem terapia é como um jogador de futebol sem fisioterapeuta.

Você interpretou uma lésbica em “Mulheres apaixonadas”, em 2003. Acha que a recepção seria diferente hoje?

Havia muitos dedos na Globo. Tínhamos que abordar o tema devagar. Se a personagem não agradasse, não haveria romance homoafetivo. Mas o público curtiu. Na rua, falavam que queriam vê-la feliz. Uma pessoa me disse: “Não gosto da ideia, mas ela foi tão rejeitada...”. É como se você precisasse colocar uma pessoa pra sofrer pra só então absolvê-la. É doido. Acho que hoje a recepção seria positiva. Uma porta que foi aberta não pode ser mais fechada.

Como vai ser fazer um par romântico com Cauã?

Meu marido ( o diretor Mauro Lima ) perguntou se eu ficaria incomodada se escalasse o Cauã para o filme “Tim Maia” (2014) pra contracenar comigo. Falei: claro que não. Conheço o Cauã desde os 14 anos. Entramos na escola de atuação na mesma época. Vou retomar uma novela das 21h, que demanda esforço, com um filho ( Pedro Lima ) de quase 6 anos. Vai ser ótimo ter o Cauã ao meu lado para usarmos toda a nossa história a nosso favor e, assim, contar uma história bonita na televisão. ~O Globo



📷 Roberto Moreyra/Agência O Globo


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