PAULÍNIA - Mesmo sem a pirotecnia científica de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" (2004), existe um quê do cult de Michel Gondry em "O vendedor de passados", produção de R$ 5 milhões que
Lula Buarque de Hollanda filma neste momento com base no romance homônimo do angolano
José Eduardo Agualusa. As filmagens começaram em janeiro em Paulínia e arredores e amanhã mudam-se para o Rio de Janeiro, onde a trama é ambientada. Centrados na memória, tema fundamental do cinema contemporâneo, os dois filmes falam de pessoas em luta para deixar as recordações para trás e alcançar a liberdade de recriar suas próprias histórias.
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No livro de Agualusa, há um olhar sobre Angola que traz em si uma crítica política. Mas não tem nada de África aqui. Ao importar a trama para o Brasil, queria partir dela para entender o que é o amor contemporâneo tendo como base a história de uma pessoa que, por uma série de razões, poderia precisar de um passado novo — diz Lula, realizador de "Casseta & Planeta: A taça do mundo é nossa" (2003).
No "Brilho eterno..." de Buarque, sua Kate Winslet é
Alinne Moraes, no papel de Clara, jovem de identidade misteriosa que encomenda "memórias" a um especialista em forjar passados, Vicente, interpretado por
Lázaro Ramos.
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Eu entendo o filme do Lula como a história de dois mentirosos que se encontram na verdade — explica Alinne.
No sábado, num casarão em Sousas, distrito de Campinas, Lázaro e Alinne rodaram as sequências em que Clara testa pela primeira vez o passado que Vicente vendeu a ela durante um jantar com o casal Jairo (
Odilon Wagner) e Stella (
Mayana Neiva).
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Pessoas magoadas com a vida precisam mudar suas histórias. Nosso filme revela o quanto a mágoa aprisiona e quanto construímos passados em nossas relações — diz Odilon, cujo personagem, um cirurgião plástico acostumado a reconstruir o corpo de pessoas incomodadas com a própria forma, ocupa o lugar da figura paterna que Vicente perdeu.
Como preparador de elenco, Buarque convocou Gustavo Machado, premiado pelo filme "Olho de boi" (2007).
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Meu papel aqui é estimular os atores a deixarem a intuição fluir — diz Machado
Confiando a Toca Seabra (de "O invasor") o posto de diretor de fotografia, Buarque importa para seu novo longa elementos de sua experiência com o cinema documental ao delinear a mecânica de trabalho de Vicente. Seu "vendedor de passados" usa vídeo e fotos para inventar uma vida hipotética para seus clientes
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Meu barato com o cinema é viajar no tempo. Aqui, a questão é fazer um filme contemporâneo, sobre este mundo do pós-pós-tudo em que a gente vive — diz o diretor, sócio-fundador da Conspiração Filmes.
Segundo Buarque, o desafio de "O vendedor de passados" é mostrar que um filme sobre a contemporaneidade, para além de gêneros como comédia, favela movie, drama e etc., pode se comunicar com o público.
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Os argentinos conseguiram isso: um filme como "Um conto chinês" ultrapassar dois milhões de pagantes na Argentina. O cinema na América Latina ficou muito preso à questão social. Agora, com o desenvolvimento econômico, o cinema começa a ver além e testar outros modos de se fazer um filme de hoje, sobre o hoje — diz o diretor.
Fora da ficção, Buarque passou por projetos antropológicos como "Pierre Fatumbi Verger: mensageiro entre dois mundos" (2000) e fez uma série de projetos musicais como o vídeo "Gilberto Gil: Tempo rei" (2002) e o longa "O mistério do samba" (2008), codirigido por Carolina Jabor sobre a Velha Guarda da Portela. Um de seus entrevistados, o compositor
Monarco assina a canção-chave da trilha sonora de "O vendedor de passados", gravada por
Marcelo D2.
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Filmei muitos projetos ligados à música, vários com o Gil. Com 49 anos, eu venho da geração dos herdeiros do tropicalistas. Gil e Caetano são meus filósofos culturais, que enxergaram a evolução deste país a partir da mistura de raças — diz o diretor, que foi estagiário de
Joaquim Pedro de Andrade (1932–1988) no projeto "Casa grande & senzala", jamais filmado.
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