14 de setembro de 2003

Revista da TV - Aline e Paula Picarelli

Share & Comment
14/9/2003






Delicadeza para evitar rejeição a uma paixão


Qualquer passo em falso poderia pôr tudo a perder. Por isso, desde que aceitaram fazer “Mulheres apaixonadas”, Aline Moraes e Paula Picarelli recebem constantemente orientação do autor Manoel Carlos e do diretor-geral Ricardo Waddington. O objetivo é evitar, até a última cena do último capítulo, em 10 de outubro, que o público rejeite a paixão de Clara e Rafaela.

— Elas recebem cuidados especiais — confirma Manoel Carlos. — Impedimos que fossem a vários programas e ainda as aconselhamos noutras tantas coisas, em termos de exposição.

Conscientes de que uma palavra mal empregada ou um olhar dúbio minariam o esforço para se mostrar com sobriedade um tipo de relacionamento cada vez mais comum, as atrizes seguem atentamente os conselhos. No início, evitavam até posar para fotos abraçadas, o que hoje fazem com parcimônia. O resultado foi o desejado: a história ganhou o respeito dos telespectadores e Manoel Carlos já decidiu que as duas chegarão unidas ao fim da novela.

Apesar do final feliz garantido, ainda há quem se recuse a enxergar o namoro das duas.

Até hoje tem gente que me pára para dizer: “Puxa, a amizade de Clara e Rafaela é tão bonita! As pessoas é que põem maldade no relacionamento” — conta Aline Moraes. — Mas é raro. O Manoel Carlos preparou uma armadilha para os telespectadores: fez com que as personagens os cativassem e depois mostrou que elas se amavam. Aí, as pessoas foram avaliar a situação e o amor sincero delas venceu o preconceito.

As atrizes só tiveram a certeza de que Clara e Rafaela poderiam ter um envolvimento amoroso duas semanas antes do início das gravações. Cria do teatro e formada em artes cênicas, Paula mergulhou numa pesquisa profunda. Escarafunchou livros de psicologia e de direito.

— Descobri que no Brasil o Conselho Federal de Psicologia só deixou de definir o homossexualismo como doença em 1999. E que as leis proíbem a discriminação contra os gays, mas, contraditoriamente, não permitem sua união civil — conta.

A ex-modelo Aline, que não teve tempo de estudar interpretação antes de emendar as novelas “Coração de estudante” e “Mulheres apaixonadas”, preferiu seguir a intuição.

Tentamos fazer laboratório, mas percebemos que não há características específicas dos casais gays. O que muda é só o ato sexual.

Para tratar de um assunto tão delicado, a equipe de “Mulheres apaixonadas” pisou em ovos. Após o primeiro grupo de discussão, quando os telespectadores se mostraram familiarizados com as personagens e dispostos a aceitá-las — desde que não houvesse beijos ou carinhos demais — a história ganhou espaço. Mas Manoel Carlos ainda manteve Clara hesitante por muito tempo: o romance custou a se tornar sólido.

— Já faz tempo que a opção de ambas está evidente. Clara disse textualmente à mãe: “Eu não gosto de rapazes. Eu amo a Rafaela.” — lembra Manoel Carlos. — Darei às duas um dos finais mais felizes da novela.

Paula, que no começo enfrentou manifestações de hostilidade e foi esnobada pela vendedora de uma loja, que recusou-se a atendê-la, vibra com a boa repercussão da trama. Cheia de dedos, de vez em quando “ousa”, como diz, enviar sugestões por e-mail para Manoel Carlos. Foi ela quem pediu que, ao enfrentar a mãe de Clara, Rafaela dissesse: “Como é que eu posso ir contra o amor? A senhora me explica, porque eu não consigo entender.”

— A delicadeza na condução da história levou as pessoas a aceitarem-na sem se sentirem agredidas. Só o fato de fazermos com que o homossexualismo seja abordado com mais naturalidade já é um serviço — diz Paula.

Para Aline, ignorada solenemente nas ruas no começo da história e hoje elogiada, a luta contra o preconceito está longe de terminar:

— Uma senhora me disse que, ao ver Clara beijando Rodrigo ( Leonardo Miggiorin ) e Rafaela chorando, seu filho de 6 anos perguntou: “Mãe, por que a moça está chorando?” . “Por que ela também gosta do rapaz”, foi sua resposta. Depois, uma manicure contou que seu filho da mesma idade perguntou, ao ver a mesma cena: “Mãe, elas são namoradas?”, ao que ela respondeu: “São”. É assim que eu acho que tem que se falar neste assunto, sem grandes explicações. Se você explica muito, parece estar justificando algo que é errado.

Se depender de Manoel Carlos, a discussão vai continuar:

— Em “Por amor”, quando abordei o bissexualismo, percebi que o assunto não é o tabu que dizem; o que interessa é a forma de tratá-lo. Pensei numa minissérie que fale da relação de dois homens. É uma abordagem sobre Aids que o resultado da novela, pelo menos até agora, me anima a fazer.


Fama e maturidade

Boa parte da correspondência que Manoel Carlos recebe fala do namoro de Clara e Rafaela. E ele garante que até hoje não recebeu qualquer mensagem que reprovasse a presença delas em “Mulheres apaixonadas”. A popularidade, conquistada gradativamente, mudou a vida de Paula, de 25 anos, e Aline, de 20.

— De repente você se vê superexposta e se pergunta: “Mas quem sou eu?” Tive que procurar me conhecer mais — conta Paula.

Aline passou por um processo semelhante:

Como modelo, eu desfilava a moda de outras pessoas, vivia num mundo que não era o meu. Desde que comecei a fazer “Coração de estudante”, fui me descobrindo: meu jeito de vestir, meu olhar para a vida, minha casa, minha geladeira, tudo mudou.

Ciente de que o sucesso na abordagem do homossexualismo em “Mulheres apaixonadas” deve-se em grande parte ao desempenho das atrizes, Manoel Carlos fez questão de enviar-lhe presentes, bem de acordo com suas personalidades e trajetórias. Para Paula, mandou um livro que traz biografias de atrizes americanas. Para Aline, enviou outro sobre Marylin Monroe, como ela, uma modelo que se tornou celebridade depois de apostar na carreira de atriz.


Tags:

0 Comentários:

 
Copyright © Alinne Moraes Fãs | Designed by Templateism.com