Edição 205 - Abr/08
A verdade é que odiamos gostar das vilãs da novela. Ainda mais quando elas são altas, curvilíneas, têm olhos claros, cabelos longos e parecem ter se encaixado ao papel. Só que aqui, Alinne Moraes, a malvada da vez, mostra algumas de suas fraquezas.
Por José Emilio Rondeau. Fotos: Sacha Höchstetter
Ela poderia passar por qualquer uma das incontáveis moças altas, bonitas e saudáveis que inundam as ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro nas tardes de verão infernal: camiseta de manga cavada e short-saia pretos, óculos retangulares de grau, uma moldura avermelhada para olhos verdes, brincos quadrados (pequenos e discretos), sandálias de dedo, rabo de cavalo e clipe domando a juba e ocultando a franja.

Basta um pouco de atenção (e um pouco é mais que suficiente) para reconhecer o rosto que correu mundo nas capas das revistas e o corpo que apresentou coleções de moda nas passarelas de todo o planeta. E isso é apenas o que ficou no passado.
Hoje, ela é a dona da boca mais reconhecível da atual teledramaturgia brasileira e incorpora a detestada vilã da novela de Aguinaldo Silva, 'Duas Caras', uma personagem tão epicamente malvada que o autor apelidou de Fera da Barra -uma referência à Fera da Penha, a carioca que nos anos 60 matou a filha do namorado ao descobrir que ele era casado e pai de família.
Nesta tarde de quarta-feira, Alinne Moraes faz uma pausa breve na sua apertadíssima agenda de trabalho -são gravações de novela de segunda a sábado, geralmente do meio-dia às 21h, e o descanso no domingo pode ser atropelado por sessões de fotos, como aconteceu no fim de semana anterior, quando ela passou o dia inteiro posando para duas edições da 'Vanity Fair' italiana- para fazer aquilo de que menos gosta: falar de si mesma.
Eu queria sair e beijar sem ser observada'
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De fato, quando Alinne fala, parece se retesar. Ela pode sorrir, gesticular ocasionalmente seus braços musculosos, pode transmitir uma confortável afabilidade e uma simpatia genuína. Mas as frases -algumas aflorando em jorro desordenado, outras meticulosamente (inconscientemente?) editadas- saem com esforço. E são construídas com cuidado. Alinne não sabe o que vem pela frente. Não custa ficar em guarda.
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Alinne sorri com o espírito esportivo de quem conhece as regras do jogo. 'A gente vai se adaptando. Já cansei de brigar. Agora, estou sozinha e o que queria mesmo era poder viver como uma menina de 19 anos: sair, beijar na boca e não ter que dar satisfação.' Mas sabe que vida de celebridade não comporta momentos de anonimato. 'Eu brigava contra. Eu falava: 'Eles estão tentando me transformar numa personalidade! Eu não sou, sou uma pessoa normal!'. Tenho que me adaptar, e a melhor maneira é me proteger.'
Por isso, Alinne diz circunscrever as raras horas de ócio a partidas de tranca e 'um vinhozinho' com a amiga de infância Helena Lorensetti (atriz mais velha que ela e hoje também residente no Rio) e o irmão de seu empresário -namorado de Helena.
'Existe uma vilã que vive em mim'
Ela se expõe o mínimo possível, e o que permite ser visto, emocionalmente, é decorrência natural e direta do seu trabalho -ainda que filtrado pelas experiências pessoais. 'Quando você se esconde muito acaba se escondendo até de você. E meu trabalho como atriz é uma armadilha, tenho que me conhecer muito! Saber cada coisa, sem julgamento, para poder, a partir disso, criar um outro ser humano, sabe?' Assim, traz Sílvia, a Fera da Barra, à tona. 'Adoro ser má, mas não posso dar vida a uma vilã se não conheço a vilã que existe dentro de mim. Ela está aqui, só não opto por ela.'

Aquela que um dia já foi o monstrinho da classe hoje garante não ser refém do próprio equilíbrio estético. 'Não sou escrava da beleza. Para começar, eu vou envelhecer, sim! Como a Fernanda [Montenegro], como a Marília Pera, como muitas [atrizes] que eu admiro. Quando você tem uma certa idade, a maturidade e a inteligência falam mais alto. Principalmente para o ator. E, graças a Deus, a gente pode envelhecer nessa carreira. A gente pode estar com 90, 100 anos em cima do palco. Então, tem que aceitar isso. A gente tem que fazer papel de filha, de mãe, de avó, e para isso precisa contar histórias com que as pessoas se identifiquem. Elas precisam ter as rugas, precisam ter história de verdade. Senão, fica muito fake.
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